O tumor de Wilms ou neuroblastoma é o tumor renal maligno mais frequente na infância e o terceiro tumor sólido mais comum nesta faixa etária, sendo ultrapassado somente por tumores de sistema nervoso central e neuroblastoma.
Epidemiologia
O tumor de Wilms ocorre em 1 a cada 10 mil crianças abaixo dos 15 anos de idade, sendo que a idade média ao diagnóstico é de 44 meses para os pacientes com doença unilateral e 32 meses para aqueles com tumor bilateral. Há uma discreta preferência pelo sexo feminino na razão de 1: 0,9 (F:M).
Síndromes associadas
O tumor de Wilms desenvolve-se, habitualmente, em crianças saudáveis. Entretanto, 10% dos pacientes com tumor de Wilms possuem malformações associadas tais como hemi-hipertrofia, criptorquidismo, hipospádia ou são portadores de uma síndrome genética reconhecida, incluindo-se síndromes de excesso de crescimento, aniridia, síndromes de Denys-Drash e Bloom. Estas síndromes nos forneceram pistas com relação à base genética da doença.
As síndromes de excesso de crescimento são resultado de crescimento somático pré-natal e pós-natal excessivo e resultam em macroglossia, nefromegalia, e hemi-hipertrofia. São exemplos de síndrome de excesso de crescimento:
- Síndrome de Beckwith-Wiedemann: incidência de 10- 20% de tumor de Wilms
- Hemi-hipertrofia isolada: incidência de 3% a 5% de tumor de Wilms
- Síndrome de Perlman: caracterizada por gigantismo fetal, displasia renal, tumor de Wilms múltiplas anomalias congênitas e retardo mental
- Síndrome de Sotos: caracterizada por gigantismo cerebral
- Síndrome de Simpson-Golabi-Behemel: caracterizada por macroglossia, macrossomia, anormalidades renais e esqueléticas e risco aumentado de neoplasias embrionárias.
Há ainda outros exemplos de síndromes (sem excesso de crescimento) associadas com tumor de Wilms como:
- Aniridia esporádica: incidência de 5% de tumor de Wilms
- WAGR: tumor de Wilms, aniridia, malformações geniturinárias e retardo mental; esta síndrome está associada com a deleção do cromossomo 11 e tem uma incidência de 30% de tumor de Wilms
- Trissomia do 18
- Síndrome de Bloom
- Síndrome de Denys-Drash: caracterizada por hermafroditismo e glomerulonefrite com falência renal progressiva. Esta síndrome está associada com mutação pontual do gene WT1 gene no cromossomo 11p13 e mais de 90% dos portadores desenvolvem tumor de Wilms.
É recomendável que crianças portadoras destas síndromes de predisposição ao tumor de Wilms sejam submetidas à ultrassonografia de rotina a cada 3 meses até os 8 anos de idade.
Etiologia
Tumor de Wilms (hereditário ou esporádico) parece resultar de alterações de um ou mais genes. O gene de tumor de Wilms 1 (WT1) é localizado no braço curto do cromossomo 11 (11p13). Este gene é necessário para o desenvolvimento geniturinário normal e é importante para a diferenciação do blastema renal. Mutações germinativas do WT1 estão associadas com criptorquidismo e hipospádia. Entretanto, mutações germinativas deste gene têm sido encontradas em cerca de 2% das crianças fenotipicamente normais com tumor de Wilms. Os filhos destes pacientes provavelmente têm risco aumentado de desenvolver tumor de Wilms. O gene que causa aniridia está localizado próximo ao gene WT1 no cromossomo 11p13, e deleções envolvendo o WT1 e o gene da aniridia explicam a associação entre esta malformação e tumor de Wilms.
Um segundo lócus genético do tumor de Wilms (WT2) relacionado com a região do cromossomo 11p15.5, está associado com a síndrome de Beckwith-Wiedemann. Há vários genes candidatos a WT2, incluindo-se o fator de crescimento insulina-like II (IGF-2), H19 (um RNA não traduzido), e p57 (gene regulador do ciclo celular). Todos eles são impressos, ou seja, tem uma cópia silenciosa (materna ou paterna) e outra cópia ativa. Perda da heterozigosidade, que afeta exclusivamente o cromossomo materno, tem o efeito de aumentar a atividade dos cromossomos paternos ativos e silenciar os cromossomos maternos ativos.
Fisiopatologia
Acredita-se que o tumor de Wilms tenha origem nos restos nefrogênicos que são focos de tecido renal embrionário que persistem após o nascimento. Restos nefrogênicos são encontrados em aproximadamente 1% dos rins de neonatos e normalmente regridem ou se diferenciam no início da infância. Presume-se que os restos nefrogênicos sejam lesões precursoras do tumor de Wilms porque eles são encontrados em 40% dos tumores unilaterais e virtualmente 100% dos bilaterais.
Anatomia Patológica
Histologicamente, os tumores de Wilms são divididos em favoráveis e desfavoráveis. Entre os tumores de histologia favorável encontram-se:
- Nefroblastoma clássico ou trifásico que é composto de três tipos celulares (blastema, estroma e epitélio) em proporções variáveis;
- Nefroblastomas bifásicos e monofásicos, sendo que os monofásicos constituem por vezes um desafio diagnóstico por simular outros tumores primários de rim;
- Nefroblastoma cístico parcialmente diferenciado (NCPD) e nefroma cístico (NC) que são tumores císticos cujos septos contém elementos nefrogênicos imaturos (NCPD) ou maduros (NC). Estes tumores representam a extremidade mais favorável do espectro do tumor de Wilms e podem ser curados com ressecção completa
O grupo de histologia desfavorável é representado pelo nefroblastoma anaplásico, sendo que a anaplasia é definida pela presença de núcleos nitidamente aumentados (3x maior do que o das células adjacentes), hipercromasia e figuras de mitose multipolares.
As neoplasias abaixo relacionadas, outrora consideradas como “variantes” do tumor de Wilms são, na realidade, entidades distintas que juntamente com o neuroblastoma constituem o principal diagnóstico diferencial do tumor de Wilms.
- Sarcoma de células claras (SCC): é a segunda neoplasia renal mais comum na infância. Carrega um prognóstico bem mais grave que o tumor de Wilms com taxas de recidiva e morte significativamente mais altas. Assim como o tumor de Wilms, o SCC tem o pulmão como principal sítio de metástase; entretanto o SCC dissemina para osso, sistema nervoso central e partes moles que são sítios raramente acometidos pelo nefroblastoma.
- Tumor rabdóide renal: é um tumor altamente maligno, visto que mais de 80% das crianças morrem dentro do primeiro ano do diagnóstico. Ocorre mais frequentemente em lactentes sendo que 85% dos casos incidem nos primeiros dois anos de vida. O tumor rabdóide é frequentemente metastático ao diagnóstico e pode estar associado a uma segunda neoplasia primária de sistema nervoso central.
- Nefroma mesoblástico congênito (NMC): é a neoplasia renal mais comum em neonatos, raramente ocorre em crianças mais velhas e adultos. Histologicamente, o NMC é dividido em clássico, celular e misto. Apesar de ter excelente prognóstico quando totalmente ressecado, o NMC tumor pode crescer na pelve e tecido perirrenal de forma insidiosa, levando a metástases e recorrência em cerca de 20% dos pacientes. O NMC responde mal à quimioterapia e radioterapia, sendo essencial à cirurgia radical com margens de segurança.
- Carcinoma renal: é uma neoplasia derivada das células epiteliais dos túbulos renais. Embora represente 3% dos casos de câncer em adultos, o carcinoma renal é um tumor bastante raro em crianças correspondendo a apenas 0,1-0,3% das neoplasias pediátricas. A cirurgia é o tratamento de escolha e pode ser curativa quando o tumor for localizado e completamente ressecado.